Imagine a seguinte situação hipotética:
João estava sendo investigado juntamente com dezenas de outras pessoas pela Polícia Federal.
Após algumas diligências, o Delegado de Polícia Federal pediu ao Juiz a interceptação telefônica de diversos terminais (números) que estariam sendo utilizados para diálogos suspeitos envolvendo João e outros indivíduos.
Após manifestação favorável do MPF, o magistrado deferiu as interceptações.
As interceptações telefônicas foram inicialmente deferidas pelo prazo de 15 dias. Ocorre que, em seguida, foram determinadas inúmeras prorrogações.
No total, as interceptações telefônicas duraram 2 anos.
Após a operação policial ser deflagrada, João impetrou habeas corpus pedindo o reconhecimento da nulidade das decisões que deferiram a prorrogação das interceptações telefônicas com base nos seguintes argumentos:
1) o art. 5º da Lei nº 9.296/96 somente permite uma única prorrogação, de forma que o prazo máximo de interceptação é de 30 dias (15 dias iniciais + 15 de prorrogação);
2) ainda que se entenda que são possíveis várias prorrogações, é preciso que se estabeleça um limite, razão pela qual se deve fixar como tempo total de interceptação, por analogia, o prazo de 60 dias, que é o prazo máximo de duração do estado de defesa (art. 136, § 2º, da CF/88);
3) as decisões que deferiram as prorrogações são sucintas e não indicaram fatos novos, razão pela qual são nulas;
4) não era possível o deferimento de novas prorrogações porque nas interceptações anteriores não foram encontrados indícios de crimes que teriam sido praticados pelo paciente.
O STF concordou com os argumentos da defesa?
NÃO.
1) A interceptação telefônica pode ser renovada sucessivamente
A Lei nº 9.296/96, ao tratar sobre a decisão que decreta a interceptação telefônica, estabelece o seguinte:
Art. 5º A decisão será fundamentada, sob pena de nulidade, indicando também a forma de execução da diligência, que não poderá exceder o prazo de quinze dias, renovável por igual tempo uma vez comprovada a indispensabilidade do meio de prova.
É possível a prorrogação da interceptação por mais de uma vez?
Sim. A jurisprudência consolidou o entendimento segundo o qual as interceptações telefônicas podem ser prorrogadas, desde que devidamente fundamentadas pelo juízo competente em relação à necessidade do prosseguimento das investigações, especialmente quando o caso for complexo e a prova indispensável.
Entende-se que a redação deste art. 5º foi mal elaborada e que, quando fala em “renovável por igual tempo” não está limitando a possibilidade de renovações sucessivas, mas tão somente dizendo que as renovações não poderão exceder, cada uma delas, o prazo de 15 dias.
De igual modo, a expressão “uma vez”, presente no dispositivo legal, deve ser entendida como sinônima de “desde que”, não significando que a renovação da interceptação somente ocorre “1 (uma) vez”.
2) Não existe um limite máximo
Quanto à duração total de medida de interceptação telefônica, atualmente não se reconhece a existência de um limite máximo de prazo global a ser abstratamente imposto.
O prazo máximo de duração do estado defesa (art. 136, § 2º) não é fundamento para limitar a viabilidade de renovações sucessivas:
Art. 136 (…)
§ 2º O tempo de duração do estado de defesa não será superior a trinta dias, podendo ser prorrogado uma vez, por igual período, se persistirem as razões que justificaram a sua decretação.
3) O fato de a decisão de prorrogação ser sucinta não gera, necessariamente, a sua nulidade
A interceptação telefônica pode ser renovada sucessivamente se a decisão judicial inicial e as prorrogações forem fundamentadas, com justificativa legítima, mesmo que sucinta, a embasar a continuidade das investigações.
O que é necessário é que estejam presentes os requisitos do art. 2º da Lei nº 9.296/96 e que seja demonstrada a necessidade concreta da interceptação, assim como a complexidade da investigação:
Art. 2º Não será admitida a interceptação de comunicações telefônicas quando ocorrer qualquer das seguintes hipóteses:
I – não houver indícios razoáveis da autoria ou participação em infração penal;
II – a prova puder ser feita por outros meios disponíveis;
III – o fato investigado constituir infração penal punida, no máximo, com pena de detenção.
Parágrafo único. Em qualquer hipótese deve ser descrita com clareza a situação objeto da investigação, inclusive com a indicação e qualificação dos investigados, salvo impossibilidade manifesta, devidamente justificada.
Em qualquer hipótese — decisão inicial ou de prorrogação —, a motivação deve ter relação com o caso concreto.
A decisão que decreta a prorrogação não precisa ser, necessariamente, exauriente e trazer aspectos novos.
Vale ressaltar, no entanto, que a decisão que defere a prorrogação da interceptação não pode apresentar uma motivação padronizada ou que faça apenas a reprodução de modelo genérico que não tenha relação com o caso concreto.
4) para que seja deferida a prorrogação não é necessário que se demonstre que já foram encontrados indícios de crime nas interceptações anteriores
Assim, a ausência de resultado incriminatório obtido com eventual interceptação de comunicações telefônicas não impede a continuidade da diligência.
Tese fixada pelo STF:
São lícitas as sucessivas renovações de interceptação telefônica, desde que, verificados os requisitos do art. 2º da Lei nº 9.296/96 e demonstrada a necessidade da medida diante de elementos concretos e a complexidade da investigação, a decisão judicial inicial e as prorrogações sejam devidamente motivadas, com justificativa legítima, ainda que sucinta, a embasar a continuidade das investigações.
São ilegais as motivações padronizadas ou reproduções de modelos genéricos sem relação com o caso concreto.
STF. Plenário. RE 625263/PR, Rel. Min. Gilmar Mendes, redator do acórdão Min. Alexandre de Moraes, julgado em 11/5/2021 (Repercussão Geral – Tema 661) (Info 1047).
Vencidos os ministros Gilmar Mendes (relator), Dias Toffoli, Nunes Marques e Ricardo Lewandowski.
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